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Frederico, Marina e a Contradição do Cuidado

Causar sofrimento no outro é inevitável.


Todo dia, faz parte do ritual da humana da casa olhar a previsão do tempo. Já pega de surpresa algumas vezes, ela prefere prevenir o incêndio a apagá-lo. No nosso caso, o incêndio vem da água que cai do céu.


Era mais um dia comum no Rio Grande do Sul, daqueles que começam com um sol bonito, quase convidando para um café na varanda sob aquele calorzinho amigável. Contudo, com o passar do dia, o sol foi ficando tímido até que, como num passe de mágica, o dia virou noite.


Na primeira rajada de vento, capaz de atravessar a alma, corri para pegar Frederico, o coelho, e Marina, a pata. Existe uma regra na família multiespécie: em dias de chuva, todos se protegem.

Não vou perder tempo justificando essa regra. A vida é como é. Assim como machucar o outro é inevitável.


Frederico já estava assustado com o vento e, para piorar, ainda havia uma humana tentando pegá-lo no colo. Não havia como mitigar o medo dessa situação; era evidente. Frederico encontrou refúgio em uma casinha de madeira. Naquele momento, pensei que seria menos angustiante para ele ser retirado diretamente do abrigo que escolheu. Por isso, tive a ideia de pegar a casinha e levá-la direto para a garagem, onde ele costuma ficar em dias de chuva.


Não há como evitar o medo e o sofrimento. Quando estamos em uma situação de perigo, o medo é inevitável. É algo instintivo, uma resposta natural à percepção de ameaça. É presunção muito humana acreditar que podemos eliminar completamente o medo do outro.


A ideia de proteção muitas vezes carrega a contradição de gerar, no curto prazo, aquilo que tentamos evitar. Para proteger Frederico e Marina da tempestade, eu precisava causar-lhes desconforto e talvez até medo. E isso é difícil de aceitar: proteger pode significar, momentaneamente, machucar.


Naquele ato violento de retirar a casinha e colocá-la em outro lugar, não sei se Frederico ficou com mais ou menos medo. O fato é que o resultado seria o mesmo: assim que chegasse à garagem, ele se tranquilizaria. Mas o caminho até lá exigia enfrentamento — e talvez a possibilidade de um trauma.


Não há como evitar o medo, nem como evitar o trauma. Não tem como evitar ser o vilão na vida do outro. Quando tentamos ser gentis demais, podemos acabar machucando ainda mais do que se fôssemos diretos e objetivos. Frederico ia ficar bem assim que entendesse onde estava e, talvez, me perdoaria em menos de dois segundos.


Na vida, talvez devêssemos aprender com os animais a simplesmente sentir, sem moralizar nossos sentimentos, sem julgamento. Afinal, o sentimento é nosso, uma parte integral de quem somos — humanos, coelhos, ou qualquer outra espécie.

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Prazer, a humana.

Olá, meu nome é Marcela Figueiredo, sou artista, autista, psicóloga e arteterapeuta responsável por uma linda - e enorme - família multiespécie. Seja bem-vinde ao nosso mundo.
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