Estou chata e querendo a reforma da educação ambiental
- mardeafectos
- 15 de mai.
- 5 min de leitura
Atualizado: 16 de mai.
Recentemente, a prática da Educação Ambiental tem me chamado atenção por suas diversas atuações. Na esfera da cidade, Projetos sem apoio governamental movem montanhas e estruturas com apoio de parcerias privadas. Enquanto outros, mais independentes, encontram seu espaço e se estruturam por meio da venda de ingressos e algumas colaborações. Para além, na esfera virtual, profissionais independentes divulgam seus trabalhos, hobbistas e pessoas aficionadas pela vida animal não-humana encontram um portal chamariz para a vida animal silvestre e exótica e também, promoção do seu ofício.
A Educação Ambiental é prevista por Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, intuitindo a Política Nacional do Meio Ambiente. Na PNEA, descreve-se como
“(…) os processos, por meio dos quais, o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade”
Ainda na Educação Ambiental regida por lei, enquadra-se o
"enfoque humanista, holístico, democrátivo e participativo, a concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o socioeconômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade e a garantia da continuidade do processo educativo.
Neste acumulo de informações que se tornou a sociedade urbana contemporânea, cuja precarização do trabaho nos fez migrar e diluir nossas profissões, nos tornando todos espécies de criadores de conteúdos não-remunarados. Pequenos produtores de imagem e opinião. No entanto, o quanto a nossa visão de educação ambiental vai de encontro com as propostas da lei? O quanto que nossa educação ambiental dialóga com a mentalidade de corpos como capital?
O quanto nossas propostas “educativas” sustentam, sem perceber, a mesma estrutura que transforma corpos em vitrines e desejos em produtos?
Perdidos em vídeos fofos e distantes de nossa realidade: O que estamos ensinando, de fato, quando mostramos um animal fora de seu lugar, fora de seu corpo, fora de sua linguagem?
Há algo de circo em muitas das práticas de educação ambiental que vemos por aí. Um espetáculo higienizado, domesticado, onde o animal exótico se torna uma extensão da vaidade humana. O corpo que antes era caçado e exibido em jaulas, agora aparece nos stories, nos reels, nos vídeos “pedagógicos”. De repente, nos tornamos a plateia do circo em sua origem. A tal educação ambiental se transforma, muitas vezes, em palco para a performance do salvador: um humano carismático e “amante da natureza” cercado de bichos raros, que “ensina” mostrando, que “cuida” exibindo, que “educa” a partir da mercantilização do outro.
Um desfile de animais exóticos regados de likes, pois, provavelmente nunca teremos a oportunidade de enxergar e tocar nessas espécies. Porém, fica aqui o questionamento: precisamos viver todas as nossas experiências de desejo? A linha que separa o desejo do consumo é tênue e fácil de transitar. Quando olhamos para um animal fora de seu habitat e domesticado, estamos olhando para o desejo ou para o consumo? Quanto status que esse corpo diferente, em nossa posse, nos dá? De repente, a educação se torna uma vitrine de afetos encenados.
Porém, educação não é sobre mostrar. É sobre se afetar. Contemplar. É sobre construir relação.
Educar pra se relacionar, não pra possuir.
Essa educação ambiental unilateral — onde o humano ensina e o animal ilustra — é perigosa. Porque ela reforça o desejo de aquisição, como quem vê um influenciador com um acessório de luxo. O bicho vira status. Troféu. Singularidade de consumo no meio da multidão.
E assim aprendemos: que o animal é fofo, mas não livre. Que é legal ter, mas não sabemos cuidar. Que a relação é de posse. E não de convivência.
Não é à toa que tantos projetos miram nas crianças. Crianças são ao mesmo tempo que ditadoras do consumo para as ideias dominantes, também são alvo da domesticação do mesmo.
Colocar a criança como alvo da experiência afim de retorno financeiro, ou como responsável por salvar o mundo, nada mais é do que política de desresponsabilizar nossa espécie ao afastar adultos, cada vez mais, de sua responsabilidade enquanto agente animal da Terra em que vivemos.
Educação ambiental não é aula de mascote. É política pública. É campanha de TV. É formação popular. É reforma do pensamento urbano. É ensinar a importância da castração em animais comunitários, sobre políticas de vacina, de cuidado. Ensinar a plantar. Entendo que onde está um concreto, uma casa, uma construção, outrora fora um rio, árvores, mangues. Viveu uma família animália ali. E que é nosso dever realizar essa conversa cultural e trazer a natureza para nossa paisagem cinza e branca.
A floresta está aqui.
A gente fala em salvar a floresta. Mas esquece de dizer: o território é floresta devastada.
Então por que ensinar sobre o que está distante, quando o que precisa ser revisitado está exatamente sob nossos pés?
A educação ambiental precisa acontecer aqui, com as pessoas daqui, com os saberes daqui. Precisa ensinar que gambá não é praga. Que árvore em calçada é política de vida. Que saneamento é uma questão ambiental. Precisa dizer que não existe animal de rua, o que existe é abandono legalizado.
Precisa ensinar que gato precisa de tela. Que cachorro precisa de adestramento. Que inseto tem função. Que lixo jogado vira morte. Que toda cidade também é ecossistema.
É a política de Paulo Freire aplicada à vida comum: quando eu entendo que o meu lugar é meio ambiente, eu me torno agente.
Saberes que resistem
Os saberes quilombolas, indígenas, camponeses — são eles que desafiam a lógica da separação entre “gente” e “natureza”. Não são alternativas. São mundos possíveis que nunca deixaram de existir.
Como nos lembra Antônio Bispo dos Santos: não é se relacionar com a natureza, é se relacionar como natureza.
Mas coexistir exige limite. Não adianta inserir esses saberes no currículo se a estrutura continua sendo a mesma. É preciso respeitar o tempo, a cosmovisão, o jeito de ver e viver. E também a cultura urbana, com seus próprios desafios e possibilidades. Só assim é possível coexistir entre culturas, sem sobrepor, sem apagar. Esse texto não é para que nos tornamos uma cultura que tentamos exterminar. Afinal, não estamos aqui para catequizar e acreditar em um modo único de existência. Chega me dar urticária imaginar esse aculturamento e padronização. Esse texto, se trata portanto, de um grito desesperado por coexistência.
Arte como ponte
A arte é a linguagem urbana que possibilita o repensar da animalidade urbana, que reconecta nossos corpos a nossa condição humana, física e mortal. O processo criativo te recoloca nesse lugar.
Quando desenho, Gilberto, o gato, insiste em bater no lápis. O traço se curva. O ritmo se interrompe. O gesto se dobra. E é aí que nasce a obra.
A coelha derruba a tinta. O pato observa a câmera e muda o enquadramento. O acaso vira linguagem. O ruído vira sentido.
Menos como donos. Mais como bichos.
A verdadeira educação ambiental não começa no zoológico nem termina no feed.
Ela começa no chão da casa, no quintal da vizinha, no nosso quintal, na rua asfaltada, na rua de barro, no corpo abandonado, no mangue aterrado. E ela termina — se é que termina — num jeito novo de estar no mundo.
Menos como donos. Mais como bichos. Quem sabe, como parte.
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